A FAPESP financiará a consolidação de uma nova linha de pesquisa, denominada “Epigenética dos Tecidos Bucais”, na área de Histologia, que terá como pesquisadora responsável a professora Ana Paula de Souza Pardo, contratada pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp há dois anos. O financiamento, concedido na modalidade Auxílio Pesquisa/Jovem Pesquisador, tem como principal objetivo justamente a nucleação de novo grupo de pesquisa em tema ainda não explorado na Unidade onde estará sendo desenvolvido.
Segundo a pesquisadora, o tema Epigenética – estudo das alterações que regulam a expressão gênica através de mecanismos que não estão relacionados às alterações da sequência do genoma – é atualmente um dos mais em voga e de maior interesse dentro da área biológica e ainda pouco explorado em Odontologia. “A partir deste aporte financeiro concedido pela FAPESP, com verba inicial de aproximadamente R$400.000,00 e, após a aquisição do sequenciador genético obtido também com recursos da FAPESP através do Projeto Multiusuários, poderemos trabalhar de forma independente de outros centros e com excelente padrão de qualidade na FOP nos próximos anos”, disse a professora.
A investigação do tema teve início em 2007 pela propria docente com financiamento também concedido pela FAPESP. As pesquisas iniciais já renderam publicações nos periódicos Journal of Clinical Periodontology e Journal of Periodontology, publicações relacionadas às teses de Doutorado já defendidas pelas doutoras Naila de Oliveira e Denise Andia no Programa de Pós-Graduação em Biologia Buco Dental da FOP.
“Nós estamos investigando principalmente alterações químicas na molécula de DNA, como a metilação do nucleotídeo citosina. Essas alterações químicas ocorrem em citosinas que precedem guaninas e participam da regulação da expressão de genes que podem influenciar, entre outros eventos, o desenvolvimento de doenças graves como o câncer”, explica Ana Paula. “Temos ainda concentrado nossos esforços sobre a inflamação periodontal, uma vez que o processo inflamatório altera o equilíbrio do meio ambiente no qual a célula reside. Isto pode ser traduzido da seguinte maneira, embora o genoma esteja preservado em sua sequência original, a inflamação poderá estar suscetibilizando alterações químicas sobre o genoma, isto é, alterações epigenéticas, pois o processo inflamatório gera estresse oxidativo. Nosso objetivo é tentar descobrir se isto está acontecendo devido à inflamação periodontal e, se sim, identificar em quais genes específicos”. A pesquisadora conta ainda que tumores como os que afetam o estômago, esôfago e colón, enfim, o trato gastrointestinal, tem a inflamação como um dos principais fatores de predisposição e isto se deve, em parte, às alterações epigenéticas propiciadas pela inflamação. “Talvez na mucosa bucal a história não seja diferente, uma vez que a boca também é componente deste sistema”, explica Ana Paula.
Outro foco da docente é investigar padrões epigenéticos em células periféricas ao carcinoma espinocelular. O trabalho está em fase inicial e sendo realizado em colaboração com o professor da área de Patologia Ricardo Della Coletta. “Há décadas o fenômeno denominado “sítios de cancerização” é conhecido e observado em mucosa de pacientes com câncer, havendo o surgimento de novos sítios de tumor à distância e sem contato com o sítio primário. Nossa idéia é investigar a participação da epigenética neste evento”, disse a pesquisadora.
Questionada sobre a motivação de estudar as alterações epigenéticas, a pesquisadora contou que já se interessava pelo tema, mas que a curiosidade ficou ainda maior após um estágio pós-doutoral em 2009, no Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, em São Paulo. “Neste Instituto os estudos estão focados sobre o câncer de cólon (intestino) e os pesquisadores estão investigando a possibilidade de diagnosticar micro metástase do tumor em medula óssea utilizando como marcação molecular as alterações epigenéticas existentes em células malignas que possam ter alcançado a medula óssea. A possibilidade deste diagnóstico seria um avanço fantástico na detecção precoce de casos com potencial para desenvolver outros tumores (metástase) em longo prazo e, com certeza, aumentaria consideravelmente a taxa de sobrevida de pessoas com câncer”, conta a professora. “O interessante na epigenética é poder vislumbrar a possibilidade de utilizá-la na descoberta precoce de alterações celulares importantes e, muitas vezes, com potencial para transformação maligna, em uma etapa que a célula ainda é normal e tem chances de reverter os efeitos, visto que estas alterações não são, em sua grande maioria, irreversíveis”, finaliza a pesquisadora.