Pesquisa realizada na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp desenvolve novo protocolo para processamento e o analise das imagens das bandas de Hunter-Schreger In vivo (HSB), que aparecem como faixas claras e escuras quando vistas sob iluminação lateral do dente. O objetivo é que o padrão das bandas seja utilizado como mais uma opção de método biométrico para identificação humana. A padronização de protocolos facilita a massificação desta ferramenta, explica Zulieth López Arrieta, que defendeu, em agosto deste ano, a dissertação de mestrado sobre o tema. O estudo teve orientação do professor Sérgio Roberto Peres Line, da área de Histologia e Embriologia do programa Biologia-Bucodental.
A eficácia do método foi comprovada, por meio de testes in vitro, em 2006, na dissertação de mestrado defendida pela aluna Liza Lima Ramenzoni. Na oportunidade, ela demonstrou que as bandas tinham unicidade e eram perenes – cada pessoa possui um padrão de banda único, dura para a vida toda e não muda através do tempo. O esmalte ainda é a estrutura mais dura do corpo humano. Muitos séculos depois ainda encontram-se esmalte intacto. Avaliou-se a singularidade das bandas em dentes humanos como um método biométrico para identificação pessoal, já que as diferenças no padrão das HSB em dentes ainda não tinham sido estudadas.
Zulieth disse que foi um desafio muito grande a migração do processo de capturar as imagens de forma In vitro para In vivo pela originalidade do trabalho. A pesquisadora destacou a engenhosidade para resolver os problemas que surgiram, por ser um estudo inédito. “Passar a ideia da cabeça ao físico é gratificante e mais ainda quando não há estudos anteriores ou paralelos que sirvam de inspiração para nós, nesta linha de pesquisa nós somos referência, por tanto nossa responsabilidade com o projeto é ainda maior”, conta.
A pesquisa contou com auxilio Fapesp, com o qual foi adquirida uma máquina fotográfica Canon EOS 5D®, adaptada a uma lupa estereoscópica (testes In vitro) e uma lente Infiniprobe TM TS-160® ( testes In vivo), feita especialmente para essa finalidade. Trata-se de uma lente com características de um microscópio.
Os principais inconvenientes para obtenção de uma imagem de boa qualidade das bandas de Hunter-Schreger são a superfície curva e vítrea do esmalte que fazem com que parte da luz incidente seja refletida. Outra dificuldade encontrada pelos pesquisadores foi a presença de trincas verticais que interrompem a continuidade dos prismas diminuindo a passagem da luz no interior do esmalte, impedindo a captura do padrão completo das bandas de Hunter-Schreger numa fotografia. Por último, a perda do foco por movimentos derivados de processos fisiológicos do indivíduo, como, por exemplo, a respiração.
Para preencher o espaço das trincas, os pesquisadores foram bem engenhosos. Testaram várias substâncias ou meios embebidores, as quais foram colocadas nas trincas visando preenche-las. “Nossa hipótese é que a trinca faz com que o índice de refração do esmalte não seja homogêneo” A luz é perdida nesse espaço. Geralmente, as trincas são preenchidas por ar ou saliva, que tem um índice de refração muito menor que o do esmalte”, revelou.
“Vislumbramos, então, a necessidade de preencher essa trinca com um meio que tivesse um índice de refração muito parecido ao esmalte ou mais próximo. O óleo vegetal, cujo índice de refração é ao redor de 1,45, foi o que mais chegou próximo ao esmalte, que possui ao redor de 1,6. Já, o ar tem índice de refração de 1 e a saliva de 1,32. Uma solução simples, mas que o resultado foi muito bom”, explica.
Para resolver o problema do brilho intenso foi adotado o uso do filtro polarizador, que melhorou a observação das bandas, o qual demonstrou bons resultados. “Não foi possível retirar todo o brilho da área, contudo, diminuiu consideravelmente o problema”, revela Zulieth.
As imagens do teste In vivo foram contrastadas com ajuda do programa ImageMagick® o qual pode ser manipulado com a linguaje de programação Ruby através de comandos “Esta ferramenta é muito útil porque nos apresenta um mundo de possibilidades para o processamento das imagens além de ser muito versátil. No futuro a ideia é fazer todo o processo com um simples “click”, para isso a bioinformática torna-se essencial”.
Para obter o padrão completo das bandas de Hunter-Schreger em uma única imagem, eles usaram o programa GIMP®. Duas fotografias foram somadas resultando na ampliação da visualização das HSB em um só dente.
Com vistas a massificação da técnica, para identificação humana, a mestranda e seu orientador desenvolveram um protótipo para que no futuro os cirurgiões dentistas tenham em seus consultórios o equipamento, que é composto de um tripé com a capacidade de movimentar-se em três dimensões e fornece o suporte à câmera fotográfica e a lente, além eles manufaturam a fonte de luz LED e o circuito óptico necessário para fazer a iluminação lateral do dente com os princípios funcionais e ergonômicos para o conforto do paciente .
O novo método é mais difícil de ser levado à pratica, em comparação a impressão digital, porém, há casos onde a técnica mostra ser mais vantajosa frente aos outros tipos de técnicas, como em vítimas de desastre em massa, onde possivelmente os cadáveres se encontram carbonizados, putrefeitos ou reduzidos a partes, uma vez que o dente é um dos órgãos mais resistentes ao calor, podendo suportar de 300 a 500ºC ou mais quando protegidos pelos tecidos bucais.
Devido ao custo elevado, que pode chegar a R$ 15 mil reais, sugere-se montar um banco de dados visando pacientes com maior risco de morrer, como pilotos de avião.
O próximo passo será investigar o comportamento das bandas quando em contato com altas temperaturas. A pós-doc Maria Lembring, também sob orientação do professor Line, desenvolve estudos com dentes carbonizados para saber se, em extremas temperaturas, os dentes permanecem com as bandas intactas. Testes realizados pela mestranda com ácido clorídrico (pH de 0,23), mostrou que as bandas mantiveram as características, mesmo após várias imersões. Outra vertente da pesquisa, abordada pela pós-doc, é comparar as bandas com o DNA e verificar se há características para identificação do sexo.
Ainda tem muitas perguntas a serem respondidas e a técnica está em construção, mas Zulieth acredita que os resultados são promissores e que a nova ferramenta forense pode ser muito útil. “Tem potencial”, destaca.
O trabalho terá continuidade com a pós-doc da Suécia que ficou muito interessada. Ela viu potencial. Só nós temos essa linha de pesquisa com bandas para identificação humana.