Pesquisador testa novos medicamentos que ajudam a reduzir disseminação de células-tronco tumorais
O tratamento do câncer que afeta as glândulas salivares representa um desafio para os profissionais de saúde. Isso se deve, em parte, ao diagnóstico frequentemente tardio, uma vez que os sintomas podem passar despercebidos. Em estágios avançados, as opções de tratamento são limitadas e geram efeitos colaterais que impactam a saúde do paciente. Diante desse contexto, Luan César da Silva, em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp, investigou uma combinação de fármacos que ajudam a reduzir as células-tronco tumorais, responsáveis pela disseminação da doença.
“Quando falamos de tumores malignos avançados nas glândulas salivares, há uma menor oferta de pesquisa. Trata-se de pacientes que muitas vezes ficam órfãos de tratamento. E o fato de esse ser um câncer raro não significa que não mereça uma terapia adequada”, explica Silva.
O câncer de glândulas salivares pode afetar tanto as glândulas maiores – parótida, submandibular e sublingual – quanto as menores, localizadas principalmente no céu da boca. Diferentemente de outros tumores orais, como o carcinoma espinocelular, associado ao uso de tabaco e álcool, ainda não se conhecem as causas desse tipo específico de câncer.
“O carcinoma mucoepidermóide é idiopático. Não sabemos o que causa os tumores nas glândulas salivares. Alguns tumores têm relação com o cigarro, como o tumor de Warthin, mas, até o momento, as causas do carcinoma mucoepidermóide não são bem compreendidas”, afirma Pablo Agustin Vargas, orientador da tese e professor do Departamento de Diagnóstico Bucal da FOP.
Quando identificado precocemente e ainda em um baixo grau, esse câncer geralmente responde bem ao tratamento cirúrgico. No entanto, em casos mais avançados, o procedimento pode deixar sequelas estéticas e funcionais na pessoa, afetando atividades rotineiras do paciente.
Tratamento
Atualmente, a cisplatina, uma droga sintética amplamente empregada em diversos tipos de tumores malignos, configura-se um dos principais medicamentos utilizados para tratar os casos avançados, mas há limitações sérias. “A cisplatina não funciona 100% e é um medicamento muito tóxico. Inclusive, muitas das vezes, os pacientes abandonam o tratamento oncológico porque não conseguem lidar com os efeitos adversos”, relata o pesquisador.
Para explorar alternativas, Silva buscou investigar o uso de novos medicamentos e desenvolver terapias menos tóxicas. “O ponto central da nossa pesquisa girou em torno de tratar as células-tronco tumorais, que acreditamos serem mais abundantes e resistentes nos tumores avançados”, explica o pesquisador.
O câncer contém células tumorais não tronco e células-tronco tumorais, sendo as últimas as mais resistentes ao tratamento com cisplatina. Isso pode decorrer do fato de essas células-tronco estarem em estado de quiescência, uma fase inativa na qual não se reproduzem e nem se espalham. No entanto, quando ativas, essas células proliferam e favorecem a metástase ou o retorno do câncer após o tratamento. “Queria descobrir como eliminar essa célula que contribui para o avanço dos casos mais graves.”
Além de uma revisão bibliográfica sobre tratamentos de carcinomas de glândulas salivares, Silva foi ao laboratório e testou a cefalina, uma droga análoga à emetina, conhecida por inibir uma via importante nas células-tronco tumorais, favorecendo terapias direcionadas. Após testes in vitro realizados em um laboratório da Universidade de Michigan (Estados Unidos), onde elaborou parte do doutorado sob a coorientação do professor Rogério Moraes de Castilho, o pesquisador constatou uma diminuição na taxa de sobrevivência e na capacidade migratória das células tumorais, sugerindo que o medicamento conseguiria reduzir a progressão e a recorrência do câncer.
“Observamos que a cefalina realmente funciona. Entretanto, em tumores sólidos como o carcinoma mucoepidermóide, uma única droga pode não ser suficiente”, explica. Para aprimorar sua pesquisa, Silva voltou ao laboratório e testou uma combinação de fármacos estudados por Castilho e Vargas. “Eles já tinham bons resultados no caso do carcinoma espinocelular. Então tentamos aplicar essa abordagem ao carcinoma de glândulas salivares”, conta. A mistura em questão envolveu, além da cefalina, o ácido hidroxâmico suberoynalinida (Saha, na sigla em inglês).
A partir dos experimentos realizados, Silva trabalhou com uma terapia de sensibilização que utilizou a cefalina e o Saha antes da administração da cisplatina e constatou que o uso preliminar das novas drogas reduziu a toxicidade do tratamento. “Com essa terapia de sensibilização, tornamos o tumor mais suscetível ao tratamento tradicional com cisplatina.”
Para que o tratamento possa chegar aos pacientes humanos, porém, ainda há um longo percurso que envolve mais pesquisas e testes em animais, até que se realizem estudos com pacientes humanos. Tanto Vargas como Castillo enxergam o trabalho de Silva como um grande avanço no tratamento desse e de outros tipos de câncer.
“Esses resultados revelam-se promissores, pois podem melhorar o prognóstico e prolongar a vida dos pacientes. Ainda não podemos falar em uma cura completa, mas vemos um avanço significativo em direção a tratamentos mais eficazes e menos agressivos”, afirma Vargas.
“Todo o trabalho realizado por Luan, o que fazemos aqui e o que Pablo desenvolve na Unicamp estão fundamentados em descobertas sobre células-tronco tumorais feitas pela medicina e pela odontologia na Universidade de Michigan. Com essas teorias, foi possível começar a desenvolver terapias que atacam especificamente esses subtipos de células tumorais, extremamente difíceis de eliminar. Quando conseguimos neutralizá-las, torna-se mais viável combater o tumor como um todo”, explica Castilho.
“Acredito que esse conceito pode ser aplicado não só a tumores de glândulas salivares, mas também a outros tumores orais, além de tumores de próstata, de mama etc.”, ressalta o professor, acrescentando que, embora promissor, esse tratamento ainda não oferece a bala de prata capaz de erradicar o câncer.
Matéria originalmente publicada no Jornal da Unicamp: https://jornal.unicamp.br/edicao/718/combinacao-de-farmacos-pode-ser-eficaz-no-tratamento-de-cancer-de-glandulas-salivares/