Estudo desenvolvido pela Bióloga Luciane Martins, da área de Periodontia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp, identificou uma mutação e uma nova deleção no gene ALPL em pacientes portadores de odontohipofosfatasia e seus pais e associou estas alterações genéticas a perda precoce dos dentes decíduos e/ou permanentes, bem como outras anormalidades dentais observadas (incluindo: atraso na erupção dos dentes, raízes curtas, falta de cemento acelular, defeitos na polpa e dentina, hipoplasia do esmalte, anormalidades da coroa, caries dentais severas, defeitos na polpa e dentina).
A edição de outubro da revista Bone – um dos principais periódicos na área de tecido mineralizado, com fator de impacto de 4,247, nos últimos 5 anos, – escolheu para ser capa do periódico, o modelo tridimensional da enzima TNAP mutante, o qual mostra as alterações na estrutura da proteína promovidas por esta alteração genética identificada pela primeira vez neste estudo.
O estudo coordenado pelo Professor Francisco Humberto Nociti Junior é um trabalho interdisciplinar que teve inicio em 2004, e que tem como objetivo principal o entendimento do metabolismo de fosfato e o processo de mineralização, o qual a enzima TNAP atua. Esta linha de pesquisa tem contado com apoio de entidades Nacionais incluindo Fapesp, CNPq e Capes, e Internacional junto ao Forgaty Institute – do National Institute of Health (NIH), Estados Unidos.
O projeto começou a ser idealizado quando dois pacientes, gêmeos idênticos, na época com 2 anos de idade, chegaram na FOP com sintomas clínicos de exfoliação prematura. A área de Patologia suspeitou que o caso pudesse se tratar de uma doença rara conhecida como hipofosfatasia, e iniciou o processo de diagnóstico clínico da doença. Posteriormente, os pacientes foram encaminhados a professora Cecilia Gatti, do departamento de Odontologia Infantil da Unidade, a qual prestou toda assistência odontopediatra. Já a área de periodontia avaliou detalhadamente as anormalidades dentais dos pacientes e forneceu a eles um tratamento adequado para gerenciar os sintomas e prevenir a perda de outros dentes permanentes.
A hipofosfotasia é uma doença hereditária rara que afeta os ossos e os dentes devido à atividade deficiente de um subtipo de fosfatase alcalina, conhecida como TNAP. Os sintomas da doença são muito variáveis, sendo atualmente conhecidos seis subtipos, os quais são classificados de acordo com a idade do diagnóstico e severidade dos sintomas apresentados pelos pacientes. Um desses subtipos, que é explorado pelo estudo em questão, é uma forma que afeta os tecidos dentais, denominado odontohipofosfotasia. Esta é uma forma menos severa da doença do ponto de vista sistêmico, uma vez que o indivíduo não apresenta alterações esqueléticas e pode levar uma vida normal, embora apresente perda precoce de dentes decíduos e permanentes devido a defeitos na formação do cemento dental. O resultado e o comprometimento da sustentação dos dentes e sua consequente exfoliação. “Essa forma clínica da doença normalmente não é diagnosticada, uma vez que a relação entre a perda dental precoce e o problema sistêmico passa despercebida”, avalia Nociti.
A doença é causada por mutações no gene ALPL, que codifica a enzima TNAP, prejudicando assim sua função normal. Atualmente, pelo menos 276 mutações afetando diferentes regiões da proteína estão descritas na literatura e são associadas às diferentes formas clínicas de hipofosfatasia. “Por se tratar de uma doença genética hereditária, a identificação de mutações nos pacientes e seus pais, em adição a avaliação clínica e odontológica e ensaios laboratoriais, é fundamental para estabelecer um diagnóstico preciso desta doença”, esclarece Luciane.
Para entender a contribuição de cada uma das alterações genéticas no desenvolvimento da doença, o grupo construiu um modelo tridimensional baseado na estrutura cristalográfica da fosfatase alcalina de placenta humana (O modelo tridimensional que estampou a capa da revista Bone). “Através da análise destes modelos tridimensionais foi possível avaliar se a mutação promoveu ou não uma alteração estrutural e se a alteração potencialmente afeta o domínio catalítico da enzima ou outros domínios importantes para a atividade normal da TNAP”, explica Luciane.
A nova alteração genética identificada neste estudo, por exemplo, foi localizada em um importante domínio da proteína, conhecido como domínio da coroa, mais especificamente em uma região descrita por se ligar ao colágeno. “Além disso, nós demonstramos através destes modelos que esta mutação altera a estrutura tridimensional deste domínio, sugerindo que a mutação compromete a função da proteína no processo de mineralização”, explica Luciane.
O modelo tridimensional da TNAP mutante, foi construído com o auxilio da Doutoranda da FOP Mariana M. Ribeiro, da área de Histologia e Embriologia, usando ferramentas de bioinformática de acesso aberto.
Além da Mariana, o estudo desenvolvido pela pós-doutoranda da área de Periodontia da FOP, Luciane Martins e coordenado pelo prof. Francisco H Nociti, também contou com a participação das periodontistas Thaisângela L Rodrigues, Ana Paula O. Giorgetti, Miki T. Saito, bem como dos professores Márcio Z. Casati e Enilson A. Sallum e do grupo da professora Martha Somerman (NIH/NIAMS, E.U.A.).