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Matheus IA

Sistema recupera imagens distorcidas por borrões e estrias resultantes da presença de metais

Matéria originalmente publicada no Jornal da Unicamp

Um modelo de inteligência artificial (IA) desenvolvido em uma pesquisa da Unicamp conseguiu aprimorar as imagens geradas em exames de tomografia computadorizada feitas em pacientes que possuem implantes dentários. O novo método pretende melhorar a qualidade das imagens, garantindo uma maior precisão dos diagnósticos. Crucial para casos em que há a necessidade de verificar de forma mais detalhada estruturas da boca e dos dentes dos pacientes, a qualidade das imagens de tomografias fica prejudicada na presença de metais devido à interação dos raios X com esse material. Usando o modelo de IA, foi possível melhorar a qualidade das imagens em 100% dos testes.

A tecnologia, desenvolvida por Matheus Lima Oliveira, cirurgião-dentista e professor de radiologia odontológica da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp, resultou de sua pesquisa de pós-doutorado, realizada em parceria com a Universidade da Basileia (Suíça), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Sociedade Suíça de Radiologia Dentomaxilofacial (SGDMFR, na sigla em alemão). A inovação também conquistou um prêmio na categoria Inteligência Artificial e Avanços Tecnológicos no 25º Congresso Internacional de Radiologia Dentomaxilofacial (IADMFR, na sigla em inglês), que ocorreu nos dias 24 e 25 de junho, em Londres (Reino Unido).

Artefatos metálicos

A tomografia computadorizada é um exame que oferece aos profissionais da saúde mais recursos para fazer diagnósticos baseados em imagens. Enquanto as radiografias geram imagens em duas dimensões a partir de um feixe unidirecional de raios X, as tomografias utilizam vários feixes de raios X para gerar imagens volumétricas e transversais, como se fossem fatias do corpo, possibilitando a visualização de estruturas de forma tridimensional. “Eventualmente, se um paciente tem uma suspeita de fratura no dente, por exemplo, algo muito discreto, tão fino quanto um fio de cabelo, a tomografia pode ser feita para detectar a fratura”, afirma Oliveira.

No entanto, quando os pacientes possuem implantes com metais em sua composição ou outros tipos de metal na boca, como aparelhos ortodônticos, ocorre a formação dos chamados artefatos metálicos, borrões e estrias que comprometem a qualidade da imagem. Isso acontece por causa de um fenômeno chamado endurecimento do feixe de raio X (em inglês, beam hardening), que surge na interação entre os fótons de radiação e os metais. Ao atravessá-los, parte da radiação é absorvida e parte chega aos sensores, gerando as imagens — por exemplo, a diferença entre tons claros e escuros em uma radiografia resulta dessa interação.

Em um consultório médico ou odontológico, um profissional de jaleco branco, identificado como Prof. Dr. Matheus de Oliveira, está sentado à sua mesa e aponta com uma caneta para a tela de um computador. No monitor, são exibidas várias imagens de exames, como radiografias ou tomografias, que parecem comparar diferentes tipos de implantes dentários (titânio e zircônia). O ambiente é organizado e profissional, com armários brancos e objetos pessoais, como um porta-retrato de família, ao fundo.
O docente Matheus Oliveira mostra os resultados: imagens foram recuperadas em 100% dos casos

Porém os metais representam barreiras muito difíceis de serem transpostas e apenas os fótons de raio X de alta energia conseguem atravessá-los. Isso faz com que chegue aos sensores uma média de energia bem maior, prejudicando o processamento das imagens pelos computadores. “Na presença de metais, os equipamentos de tomografia tendem a superestimar ou subestimar os níveis de energia que chegam ao sensor, gerando imagens que não são verdadeiras”, explica o professor. “Muitas vezes, o exame se mostra inconclusivo porque os artefatos comprometem tanto as imagens que podem omitir os problemas ou simular algo que não existe.” Nesses casos, os profissionais lançam mão de alternativas, entre as quais o uso de radiografias concentradas apenas na região investigada e a mudança na posição dos pacientes para tentar desviar o feixe de raios X para longe do objeto metálico. Em último caso, classifica-se o exame como inconclusivo e aguarda-se a evolução do caso.

Hoje os equipamentos de tomografia já contam com filtros para melhorar as imagens, mas esses recursos não conseguem garantir uma visualização ideal. Como solução para o problema, Oliveira sugeriu criar um modelo algorítmico que aprendesse a detectar os artefatos metálicos nas imagens e que, assim, fosse capaz de recuperá-las. O sistema passou por um treinamento usando mandíbulas suínas frescas, de forma a reproduzir com maior fidelidade as condições do organismo humano. Em cada mandíbula, realizaram-se perfurações para colocar implantes dentários com três tipos comuns de metais: titânio, zircônia e uma liga de titânio-zircônia. Isso gerou cerca de 400 possibilidades de combinações, todas testadas por meio de tomografias que resultaram em imagens feitas na presença de artefatos metálicos. “Quanto mais heterogênea fosse a amostra, melhor seria o resultado do modelo de IA”, diz o professor.

O modelo de IA e os testes computacionais foram desenvolvidos na Suíça e os testes laboratoriais, na Unicamp. Para treinar a IA, a pesquisa forneceu ao sistema um banco de imagens de mandíbulas sem os artefatos e outras, das mesmas mandíbulas, com implantes. Como resultado, o sistema conseguiu detectar os artefatos e reconstituir a imagem original em 100% dos testes. Oliveira destaca que, de forma inovadora, os testes também consideraram casos nos quais o implante, apesar de localizado fora da área de interesse de um determinado exame tomográfico — chamada exomassa —, ainda assim provoca a formação de artefatos.

Buscando algoritmos

A incorporação de sistemas de IA na odontologia abriu um campo de pesquisas, hoje, em constante crescimento, especialmente na área de radiologia e tecnologias de imagem. Na FOP, o estudo dos artefatos metálicos é uma linha de pesquisa de destaque do Programa de Pós-Graduação em Radiologia Odontológica, coordenado por Oliveira. Segundo o cirurgião-dentista, um dos desafios para essas pesquisas dá-se no acesso às informações acerca dos algoritmos empregados, nos equipamentos de tomografia computadorizada, a fim de gerar imagens. “Ficamos sujeitos aos fabricantes, que mantêm essas informações em segredo”, afirma. O professor ressalta que os resultados obtidos ainda são iniciais, dizem respeito a situações simuladas e ainda carecem de testes em pacientes antes de o modelo conquistar uma validação científica. No futuro, o pesquisador pretende, como objetivo final, chegar a um sistema no qual não haja necessidade de corrigir as imagens. “Nosso cenário ideal seria impedir que o artefato surja ao invés de deixá-lo surgir para, depois, removê-lo das imagens”, diz Oliveira.

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